quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Correspondência de António Gedeão doada à Biblioteca Nacional


















A Biblioteca Nacional recebeu uma doação de originais de cartas escritas por António Gedeão ao poeta Luís Amaro, entre 1969 e 1995.

Os documentos foram oferecidos por Luís Amaro e serão integrados no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional, um arquivo de cartas, manuscritos originais e provas tipográficas de vultos de referência da cultura portuguesa contemporânea.
Luís Amaro foi co-fundador e co-director da revista Árvore (publicada entre 1951 e 1952), colaborou na Seara Nova e foi também director-adjunto da Colóquio/Letras.
Vai ser lançada uma obra com as memórias e alguns poemas de António Gedeão (Rómulo de Carvalho) para assinalar o centenário do seu nascimento em 24 de Novembro próximo.

Vida e obra de António Gedeão, aqui.

Recordar Eugénio de Andrade...





Eugénio de Andrade
nasceu no Fundão em 1923.
Usava o pseudónimo José Fontinhas.
Para além de se ter dedicado à poesia desde muito cedo, também organizou várias antologias e traduziu vários poetas estrangeiros, como por exemplo, Garcia Lorca.
A obra de Eugénio de Andrade é vasta e "As Mãos e os Frutos" editado em 1948 e "Os Amantes sem Dinheiro" editado em 1950, colocaram-no merecidamente entre os maiores poetas portugueses, tendo assim acumulado várias provas de reconhecimento como, por exemplo, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, em 1989, o Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia estrangeira publicado em França, no mesmo ano, e a criação da
Fundação Eugénio de Andrade, em 1990, no Porto.
Foi também homenageado pelo Presidente da República em 1982, com o Grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor
e o que nos ficou não chega

para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

gastámos as mãos à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas

em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras

e não encontro nada.


Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

E eu acreditava.

Acreditava,

porque ao teu lado

todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.

Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.

Era no tempo em que os meus olhos

eram peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco, mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor...,

já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,

tenho a certeza

de que todas as coisas estremeciam

só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

Não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus.

Eugénio de Andrade


Na voz de Luís Gaspar:

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Parabéns a Eduardo Lourenço!



Eduardo Lourenço foi galardoado com o
“Prémio Extremadura para a Criação” que irá receber no próximo dia 6 de Setembro em Badajoz.
Este prémio, no valor de 42 mil euros, é considerado uma das maiores distinções atribuídas pela Junta da Extremadura.

Eduardo Lourenço foi um dos distinguidos, na categoria de «Melhor trajectória literária de um autor Ibero-americano».
Foram também distinguidos (por um júri que foi presidido por José Saramago, Prémio Nobel da Literatura 1998), o escritor espanhol Eugénio Fuentes, o pintor espanhol Javier Fernández de Molina e o pintor chileno Alfredo Jaar.
Para atribuir este prémio a Eduardo Lourenço, o júri teve em consideração sobretudo a sua obra de crítica e ensaio literário sobre poesia, tendo sido também considerada relevante a aproximação do ensaísta à modernidade, em particular à obra de Fernando Pessoa.

Com a atribuição do "Prémio Extremadura para a Criação", é reconhecida toda a obra de Eduardo Lourenço, na qual se destacam títulos como «Heterodoxia I», de 1949, «O Fascismo nunca existiu», de 1976, «O Labirinto da Saudade: psicanálise mítica do destino português», de 1978, e «Nós e a Europa ou Duas Razões» distinguido em 1988 com o "Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon".

O "Prémio Extremadura para a Criação" foi criado pela Junta da Extremadura em 2000 para estimular a actividade criativa e estreitar os laços culturais da região extremenha com Portugal e a comunidade ibero-americana.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Pedro Lucas




Pedro Lucas nasceu em 1975 em Lisboa.
É projectista e mora em Samora Correia, concelho de Benavente.
Tem como paixões a poesia e a pintura.
Ainda não teve oportunidade de editar nenhum livro mas descreve-nos assim o seu sonho:


"Recordo em pequeno os meus olhos, grandes e castanhos. De verem nas mãos os sonhos maiores.
Cresci como tantos outros, com os sonhos dentro dos bolsos.
As palavras eram como frutos que desciam nos meus lábios. Eu sabia disso. Sabia que nasciam dos olhos dos outros mas também dos meus silêncios, das casas imaginárias que construía dentro de mim. Olhava para os outros como se por dentro dos meus olhos, houvessem apenas as palavras mais doiradas.
E eu abria-as no meu peito apertado, guardava-as dentro de mim, e escrevia-as sobre a pele. Eu sabia que os frutos das pessoas nasciam das árvores das almas. E que, a na minha pele, eu podia plantá-las.

Cresci, fascinado pelas palavras. Nos dias de Inverno, depois da escola
ficava em casa, a ouvir a chuva a cair, a bater no vidro da janela embaciada. Enquanto escrevia os primeiros textos, olhava através da janela, para escutar o som das palavras. E quando parava de chover, também parava de chover dentro de mim. E depois, vinha o silêncio apaziguador, como se as palavras poisassem finalmente sobre a folha de papel.

Fui escrevendo sem qualquer intenção. Guardava os textos na gaveta do móvel do quarto e também guardava sempre no móvel do meu coração.

Hoje, apesar de não ter qualquer livro publicado, continuo a escrever Poesia. Quando chove, ainda fico à janela para abrir as palavras no meu peito.

Já plantei algumas árvores, já derrubei outras mas guardo ainda dentro dos
meus bolsos, os sonhos maiores…"


O Pedro procura editora para editar os seus poemas.
Pode ser que consiga realizar o seu sonho um destes dias...
Com os meus desejos de "boa sorte",
deixo-vos com um poema seu,
na voz de Luís Gaspar:



No alpendre, espero por ti.

Os arbustos cresceram. As folhas caíram
O poço secou. As pessoas partiram.

É mais difícil quando vem o frio
A brisa chora nos meus olhos.
E nos meus olhos era onde sonhavas
Teus sonhos dentro de mim.

Envelheci com as árvores.
Com o cair das folhas no Outono.
Agora já não dão frutos.

Oiço apenas o barulho do vento
Que atravessa os ramos,
Que atravessa dentro de mim, vazio.

A noite não acaba. O dia não acaba.
Nada se não silêncio incessante.
Espero por ti, no alpendre.
Sei que não voltas. Mas ainda te quero abraçar

A brisa, chora nos meus olhos.
Porque foi nos meus olhos
Com as tuas mãos pequeninas,
Que aprendeste a sonhar

Pedro Lucas

Poemas em voz alta

"A palavra"

A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.

António Ramos Rosa


Na voz de Luís Gaspar:

domingo, 27 de agosto de 2006

"Corte d'El Rei" acaba de sair




Há poucas horas atrás, teve lugar na Junta de Freguesia de Almada, a sessão de lançamento do livro de Rui Diniz "Corte d'El Rei", poemas e contos.

A apresentação esteve a cargo de António Gouveia.
Trata-se de uma edição de autor que é acompanhada de um CD (mp3) onde se podem ouvir todos os textos incluídos no livro, lidos por Luís Gaspar, acompanhados ao piano por Justin Bianco.
É portanto, um livro, mas ao mesmo tempo um audiobook.


Rui Diniz tem 27 anos, nasceu e vive em Almada, frequentou a Universidade Autónoma de Lisboa, é habilitado com o Certificate of Proficiency in English da Cambridge School, e é Assistente Técnico de Internet.
Teve ainda, até há pouco tempo, uma banda, cantou em bares durante uns meses, escrevendo algumas das canções que interpretava, uma curta participação como locutor e colaborador na Rádio Voz de Almada e escreveu os poemas que neste livro publica.

Este livro tem 30 poemas divididos em dois capítulos: “Pedaços” e “Amor Ego” e duas história em prosa.
Em “ Pedaços”, espalham-se, diz o autor, uma migalhas de Luz no seio de um ego forte; em “Amor-Ego” explora a sua própria história de sentimentos e aventuras emocionais que o purificaram e espera, através da partilha dessa viagem interior, tornar mais viva e transparente a consciência de quem o lê.

Os dois contos finais, espelham em prosa poética o mesmo mundo interior do Rui Diniz, um mundo onde fantasia e realidade se misturam de tal forma que se torna impossível dizer onde uma termina e a outra começa.

Aqui fica um poema deste livro do Rui Diniz,
na voz do grande declamador Luís Gaspar,
só para vos "aguçar" o apetite.
"Ode aos declamadores":



Não há poesia sem declamador.
É o declamador que faz a poesia; é ele quem constrói o mito,
é ele que lê o Ouro nas palavras que uns lêem vulgares,
outros nem tanto, seja em voz alta para os outros
ou para si em pensamento...
sim, porque não se pode declamar no pensamento?
Nada o impede.
Na ligação que tudo une, um pensamento faz a diferença!
Destrinça-se dos outros, marca a cadeia quiçá infinita
de rolantes modas, media e medianas...
Mas só um pensamento, dito ou pensado,
na pureza da postura de quem se faz mártir por opção
e decide ser veículo para o que tanto embebedou o poeta
pode ser marcante, pode de facto ser divino!
O declamador é como um ourives.
Ele labuta dentro de si os fios da sua própria existência
fundindo-os com os da existência de outrem
em jóias caras distribuídas a troco de nada.
O poeta dá o ouro cru, a pedra lascada,
o declamador dá tudo, a vida,
a voz, o pensamento, a alma
e no fim é quem fica com nada.
Fica com nada porque já de seu tinha dado tudo...
ao poeta.

O poeta é o mineiro,
o declamador é o artista.

Bem ditos sejam os artistas!

Rui Diniz


Informações e encomendas:
http://cortedelrei.blogspot.com
ou pelo e-mail: rpfdiniz@gmail.com

sábado, 26 de agosto de 2006

Morreu K. Ayyappa Panikkar





Morreu na passada quarta-feira, dia 23 de Agosto, o poeta indiano K. Ayyappa Panikar, com 76 anos.

Antigo director do Instituto de Inglês da Universidade de Kerala, Ayyappa Panikar traduziu para Malayalam vários clássicos ingleses, entre os quais T.S. Elliot e William Shakespeare e é considerado um dos principais autores em Malayalam, a língua falada no sul da Índia, em Kerala, língua falada por mais de trinta milhões de pessoas.

Julio Cortázar

Poema

Amo-te por sobrancelha, por cabelo, debato-te em

corredores branquíssimos onde se jogam
as fontes de luz,
discuto-te a cada nome, arranco-te com
delicadeza de cicatriz.
Vou-te pondo no cabelo
cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam à chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem atrás da tua mão,
porque a água, considera a água e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo as lâmpadas a meio do
encontro.
Todas as manhãs és a ardósia em que te invento
te desenho.
Pronto a apagar-te, assim não és, nem tão pouco com
esse cabelo liso, esse sorriso.
Busco a tua soma, a beira da taça onde o
vinho é também a lua e o espelho,
Busco essa linha que faz tremer um homem
numa galeria de museu.
Além disso amo-te, e faz tempo e frio.

Julio Cortázar

Julio Florencio Cortázar nasceu em 1914, filho de Julio Cortázar e María Herminia Descotte, em Bruselas, Argentina.
Aos dois anos, vai com os pais para a Suiça, onde a família aguarda o fim da Primeira Guerra Mundial, para regressar à Argentina em 1918.
A família instala-se en Bánfield, um subúrbio de Buenos Aires e o pai (de quem Julio nunca quis saber) abandona a mulher e os dois filhos. Julio é criado pela mãe, uma tia, a avó e a irmã Ofelia, um ano mais nova.
Em 1932, gradua-se como professor primário e tenta sem êxito viajar para a Europa num navio mercante. Três anos depois, entra para a Faculdade de Filosofia e Letras, faz o primeiro ano, mas tem de abandonar os estudos por razões económicas, e vai dar aulas.
Em 1937 publica a sua primeira colecção de poemas, “Presencia” com o pseudónimo de Julio Denis.
Publica o primeiro conto, “Bruja”, em 1944, na revista de Mendoza, “Correo Literario” e participa em manifestações contra o peronismo. Renuncia um ano
depois às cátedras que ministrava em Mendoza, dada a vitória de Perón nas Presidenciais de 1945. Publica o primeiro livro de contos, “La otra orilla”.
A revista “Los Anales de Buenos Aires”, dirigida por Jorge Luis Borges, publica-lhe em 1946 o conto “Casa”e um ano mais tarde, o famoso “Bestiário”.
Em 1949, a crítica ignora o primeiro poema publicado sob o seu verdadeiro nome, “Los Reyes” e Cortázar escreve o primeiro romance, “Divertimento”, a
que se seguiria, um ano mais tarde, o segundo, “El exámen”, que só foi editado de pois da morte do escritor.
Em 1951 publica o primeiro livro de contos, “Bestiario” e dois anos depois casa-se com uma tradutora argentina, Aurora Bernárdez.
Começa a escrever as suas “Histórias de Cronopios y de famas” , que publicará nos anos 60, década em que se vê traduzido para inglês, francês e português.
Os anos 70 são os da consagração mundial. Publica, faz conferências e separa-se da segunda mulher, Ugné Karvelis. Vai viver para Paris, num exílio auto-imposto.
Em 1981, num dos seus primeiros decretos, o governo socialista de François Miterrand concede-lhe a nacionalidade francesa. No mesmo ano, é-lhe diagnosticada uma leucemia e fica viúvo da terceira mulher, Carol Dunlop, com quem escreveu, a quatro mãos, o seu último romance, editado postumamente.
Cortázar morre em 1984, num hospital de Paris.


(Esta nota biográfica de Julio Cortázar é uma cortesia do jornalista António Costa)

Hoje nasceu...







26 de Agosto de 1914


Julio Cortázar

Escritor argentino









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Poemas e biografia

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

A Felicidade

Aquele que abraça uma mulher é Adão. A mulher é Eva.
Tudo acontece pela primeira vez.
Vi uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua, mas que posso eu fazer com uma palavra e uma mitologia.
As árvores metem-me um pouco de medo. São tão belas.
Os tranquilos animais aproximam-se para que eu lhes diga o seu nome.
Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro irrompem.
Ao folhear o atlas projecto a forma de Samatra.
Aquele que acende um fósforo no escuro está a inventar o fogo.
No espelho há um outro que espreita.
Aquele que olha o mar vê Inglaterra.
Aquele que profere um verso de Liliencron já entrou na batalha.
Sonhei Cartago e as legiões que devastaram Cartago.
Sonhei a espada e a balança.
Louvado seja o amor em que não há possuidor nem possuída, mas em que ambos se entregam.
Louvado seja o pesadelo, que nos revela que podemos criar o inferno.
Aquele que desce um rio desce o Ganges.
Aquele que contempla uma ampulheta vê a dissolução de um império.
Aquele que brinca com um punhal pressagia a morte de César.
Aquele que dorme é todos os homens.
No deserto vi a jovem Esfinge, que acabam de construir.
Não há nada tão antigo sob o sol.
Tudo acontece pela primeira vez, mas de maneira eterna.
Aquele que lê as minhas palavras está a inventá-las.

Jorge Luís Borges

Hoje nasceu...




24 de Agosto de 1899


Jorge Luis Borges

Escritor argentino





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Biografia

Poemas: A Felicidade , Um livro

Livrarias de culto








No local da antiga praça de Viseu, hoje existe um lugar de culto para todos quantos gostam de ler e de ouvir ler.
Trata-se da Livraria da Praça, lugar de tertúlias e encontros literários, que até ao fim deste mês de Agosto funciona no seguinte horário: terça a sábado das 15 às 23 horas e domingo das 15 às 19 horas. Fecha à segunda-feira.

Depois de um ano de intensa actividade, e findo este mês de Agosto, a Livraria da Praça voltará às tertúlias e aos encontros.
Até lá, fiquem atentos, a esta e a outras "livrarias de culto" de que vos darei notícias.

O blogue da Livraria da Praça fica aqui.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Eu vi dos pólos o gigante alado,
Sobre um montão de pálidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcões ariscos,

Devorando em silêncio a mão do fado!

Quatro fatias de tufão gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,

Campeava um sofisma ensangüentado!


– "Quem és, que assim me cercas de episódios?"

Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovões seródios.

– "Eu sou" – me disse, – "aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfúreos ódios

Nas trevas sepultei de um solecismo..."

Bernardo Guimarães

Hoje nasceu...





15 de Agosto de 1825


Bernardo Guimarães


Poeta brasileiro




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Poemas: Eu vi dos pólos o gigante alado...

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Biblioteca do Cadaval procura amadores de poesia



A Biblioteca Municipal do Cadaval procura trabalhos com vista a integrar o “Ciclo de Exposições de Poesia”.

A iniciativa é vocacionada para todos os amadores de poesia residentes neste concelho, dando-lhes assim oportunidade de divulgação e publicação dos seus escritos.

Para participar nesta iniciativa, bastará, a todos quantos sintam o apelo criativo, e que possuam idade a partir dos 25 anos, dirigirem-se às instalações da Biblioteca Municipal do Cadaval e procederem à inscrição e entrega dos trabalhos.

Cada participante poderá entregar até 30 poemas, de tema livre.
O prazo para entrega dos trabalhos, aberto desde Julho, foi entretanto prolongado até 15 de Setembro próximo.

Seguidamente, e com o objectivo de serem expostas, será feita uma selecção de 15 poesias por poeta.
O ciclo de exposições arrancará no início de Outubro, mostrando o trabalho de um poeta por quinzena.
No final do referido ciclo, será composta uma antologia com os melhores poemas de toda a mostra, a editar posteriormente.

Para mais informações aqui ficam os contactos da Biblioteca Municipal do Cadaval:

Av. dos Bombeiros, 2550-103 Cadaval
Tel.: 262 696 155

E-mail: biblioteca@cm-cadaval.pt

Blog: www.bibliotecamcadaval.blogspot.com

sábado, 12 de agosto de 2006

Na estante de culto







"A voz secreta das mulheres afegãs

– O suicídio e o canto
"

Sayd Bahodine Majrouh, poeta e profundo conhecedor da poesia do seu país (o Afeganistão) recolheu estes cantos e conseguiu enviá-los para o ocidente antes de ser assassinado no Paquistão, seu país de exílio.


Ana Hatherly, poeta, romancista, artista plástica, ensaísta, tradutora e amante das culturas orientais, traduziu a partir da edição francesa, para versões poéticas.


Até agora desconhecidos do mundo, os “landays” das mulheres afegãs (aparentemente gritos sem sentido), escondem afinal uma linguagem secreta feminina que serve para expressar discursos de ódio, amor, erotismo ou escárnio.
São vozes secretas proferidas à revelia e dirigidas aos homens e à cultura masculina dominante.

O landay é um pequeníssimo poema, normalmente de dois versos livres de nove e treze sílabas, sem rimas obrigatórias.
Há-os de todos os tipos, dependendo da origem social ou cultural dos seus autores, mas os mais intensos e inesperados são os landay que revelam a condição feminina.
Em «A voz secreta das mulheres afegãs – o suicídio e o canto» são justamente esses poemas ousados, curtíssimos e brutais que permitem traçar um retrato da mulher afegã, subjugada pelo poder masculino e por uma vida de escrava, só podendo expressar a revolta de duas formas: suicidando-se ou gritando canções de um amor louco ou impossível.



Ontem à noite estive com o meu amante:

uma noite de amor que não se repetirá

Como um guizo, com todas as minhas jóias,

tini em seus braços até ao fundo da noite


Dá-me a tua mão, amor, vamos para os campos

Para nos amarmos ou cairmos juntos apunhalados.


Amanhã os famintos do meu amor serão satisfeitos
Porque quero atravessar a aldeia com o rosto

descoberto e os cabelos ao vento.



Nestes versos de revolta, o que mais sobressai é a força e a crueza das palavras.
E ao mesmo tempo uma extrema beleza.

Recomendo. Vivamente.


Editora: Cavalo de Ferro

(2005)

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Na estante de culto









Hoje deixo-vos uma raridade: o "Manifesto Anti-Dantas", versão completa, dito pelo próprio Almada Negreiros.

Esta é uma gentileza do locutor Luís Gaspar, que recuperou esta peça audio (a original estava um pouco degradada), resolveu publicá-la esta semana no seu audio-blog (O Estúdio Raposa) e me enviou também, para deleite dos apreciadores de Almada que visitam este blog.

Obrigada, Luís!




















Um livro obrigatório na estante lá de casa.
Que, ainda por cima, respeita a edição original, editada por Almada em 1915.
Das Edições Ática.

Viva Almada, Viva!... Pim!

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Hoje nasceu...




10 de Agosto de 1823:


António Gonçalves Dias


Poeta brasileiro

Poema Poema







A revista de poesia Aullido (editada por Uberto Stabile, poeta e editor da Punta Umbria, Huelva) no seu número 15 levou a cabo o que apelidou de Antologia de la Poesía Portuguesa Actual, de seu nome: “Poema Poema”.

Este volume de mais de 200 páginas, bilingue, tem poemas de 17 poetas portugueses: Ana de Sousa, Fernando Cabrita, Fernando Dinis, Fernando Esteves Pinto, Francisco José Viegas, Henrique Fialho, João Bentes, José Agostinho Baptista, José Carlos Barros, José Félix, José Mário Silva, Luís Ene, Pedro Afonso, Rui Costa, Sandra Costa, Sara Monteiro e Teresa Rita Lopes.

No prefácio, Fernando Esteves Pinto escreve: «um encontro de cumplicidades onde a poesia é a acção de todas as vontades».

A tradução esteve a cargo de Eva Lacasta Alegre.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Poemas em voz alta

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos


Na voz de Luís Gaspar:

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Na estante de culto














Copiado de Sophia


Creio

na nudez

da minha vida


E

não me peçam

cartão de identidade

que nenhum outro

senão o mundo

tenho



Self-portrait 1


My cats
enjoy playing

with my cockroaches


My cockroaches

enjoy eating

my potatoes

And

what about

my potatoes?



Poemas do livro

"César a César"

de Adília Lopes


Para além de poemas e de um tributo à gata Ofélia, Adília Lopes oferece-nos neste livro algumas anedotas contadas por personagens famosas.

Transcrevo a seguir, a minha favorita:


Tangerina

No tempo da 2ª guerra mundial, quando havia racionamento de comida em Londres, duas velhotas inglesas que viviam juntas e que tinham uma cadelinha de que gostavam muito, a Fifi, já muito velhinha, não sabiam o que haviam de fazer para arranjar comida para elas e para a Fifi.

Decidiram abater a Fifi, cozinhá-la e comê-la ao jantar.

Quando acabaram de jantar disseram:

– O jantar estava muito bom. Só cá falta a Fifi para roer os ossos.

(anedota contada pelo pintor Mário Roseira que a ouviu contar ao pai)


Edição & etc

(2003)

Capa de Armanda Duarte

Poemas em voz alta

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir
como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante
D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar
aparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete e Salazar estava no poder nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra tenho amigos que emigraram nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga


Na voz de Luís Gaspar:

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Fernando Pessoa por Nuno Miguel Henriques










O Teatro Azul – Companhia Profissional, apresenta em todo o país, a sua nova produção de Teatro Poético, intitulada «Fernando Pessoa por Nuno Miguel Henriques».

Trata-se de um espectáculo que reúne alguns dos textos mais emblemáticos de Pessoa em cruzamento com os seus heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares.
Além dos textos interpretados no decorrer da sessão, são introduzidas notas biográficas, quer por meios vocais, ou com recurso a imagens visuais projectadas, adereços e indicações cénicas.

Nuno Miguel Henriques apresenta nesta peça uma estética artística, muito distinta da que o tornou conhecido como “actor/diseur” de poesia portuguesa, ao longo dos 19 anos de trabalho consecutivo, nos palcos, nas televisões, rádios e nas edições de CD’s.

Explora novas valências na “arte de dizer”, captando leituras abertas das mensagens e da semântica dos autores.
E procura com este novo espectáculo, criar um renovado público, para uma abordagem singular na concepção Pessoana.

Em breve será apresentado um CD, com o mesmo roteiro de textos e igualmente intitulado «Fernando Pessoa por Nuno Miguel Henriques».

Mais informações no site do Teatro-Azul ou pela Linha Azul da Companhia: 808 20 16 13.


Deixo-vos com o poema “Liberdade”, de Fernando Pessoa,
dito pelo Nuno Miguel Henriques.



“Liberdade”

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Poemas em voz alta

Se passares pelo adro
No dia do meu enterro,
Dize à terra que não coma
Os anéis do meu cabelo.
Já não digo que viesses
Cobrir de rosas meu rosto,
Ou que num choro dissesses
A qualquer do teu desgosto;
Nem te lembro que beijasses
Meu corpo delgado e belo,
Mas que sempre me guardasses
Os anéis do meu cabelo.
Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo;
Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
Se a minha voz conseguisse
Dissuadir essa frieza
E a tua boca sorrisse!
Mas sóbria por natureza
Não a posso renovar
E o brilho vai-se perdendo ...
- Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.

António Botto


Na voz de Luís Gaspar:

Na estante de culto









"Um Mundo Estranho"

Oliverio Macías Álvarez
Editora: Assírio & Alvim
Tradução de José Agostinho Baptista
(Colecção Documenta poetica)


O prefácio, de José Agostinho Baptista, diz tudo sobre estas fantásticas e surrealistas poesias mexicanas em prosa que falam de um mundo estranho, o nosso:
"Quis o destino – ainda creio que é essa vaga e inacessível entidade o que conduz as nossas pobres vidas – que encontrasse Oliverio à esquina de uma noite nos bairros altos da solidão. Mas não podia imaginar, então, que muito secretamente, no fundo da sua alma nobre e mexicana, se escondiam páginas de uma comovida e delicada beleza que de vez em quando me faz reconciliar com a literatura. Traduzi essa inesperada dádiva que veio de tão longe para tão perto do pensamento e do coração, com todo o meu amor pelo Homem e pela Palavra.
Que esse homem e essa palavra continuem a caminhar generosamente pelo mundo escrevendo-se."
José Agostinho Baptista



Um pequeno excerto do livro:

"(...) Uma vez tiveste um sonho. Era quando se desfaziam as tardes sob o dorso dos naufrágios, por alguma razão que não compreendias tudo estava aí, bastava desejar as coisas para existirem, a exaltação da terra na amplitude do teu braço e a vontade dos seres vivos nos rasgão da tua boca. Tu, que começaste a procurar o encontro por capricho, existias precisamente quando doía a respiração, depois descias a um amplo vale acompanhado de dois cães. A tua boca não era a tua boca, mas falava; os teus olhos não eram os teus olhos, mas olhavam. Então colocaram-te um grande manto e pudeste ver claramente o dia da tua morte e nesse dia as tuas mãos já eram tuas e tiveste a coragem de gritar que te cortassem a cabeça. À beira desse grande rio, vais-te divorciar. (...)"




Oliverio Macías Álvarez nasceu a 13 de Janeiro de 1971 na cidade de Colima, no México.
Estudou línguas e literatura espanholas e inglesas na Universidade Autónoma do México.
Estudou língua e literatura francesa no Instituto Francês da América Latina.
Coordenou o Suplemento de Cultura "Expresso", do Jornal Estatal de Guanajuato, no México.
Foi co-fundador da revista de literatura Ensayo e foi fundador da revista literária Campo de Plumas.
Foi bolseiro na área da literatura do Fundo Nacional para a Cultura e as Artes, no México.
Participou em vários documentários como guionista.
Actualmente, reside no México.
Um Mundo Estranho é o seu primeiro livro.